terça-feira, 9 de junho de 2015

Extremismos e Intolerância


Em 2012 o jogador de futebol do País de Gales Ched Evans foi condenado a 5 anos de prisão sob a acusação de ter estuprado uma jovem de 19 anos. Após dois anos cumprindo pena lhe foi permitido retornar a sua profissão e um clube muito pequeno inglês (tão inexpressivo quando o próprio Evans), o Oldham Athletic, demonstrou interesse em contratá-lo. Isso gerou uma séria de protestos contra o clube, um abaixo assinado com mais de 20 mil assinaturas e patrocinadores ameaçando retirar investimentos. Até ai tudo bem...

Mas alguém chegou ao ponto de enviar uma carta anônima ao presidente do clube dizendo que, caso contratasse o jogador, sua filha seria estuprada.

Ou seja, no ímpeto de fazer seu argumento prevalecer, essa pessoa chegaria ao ponto de cometer a mesma atrocidade (ainda que no caso de Evans a defesa ainda alegue que foram relações consensuais). E pior, de maneira premeditada.

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Recentemente, ao ler uma biografia de Bob Dylan tive a oportunidade de mergulhar na história do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos durante a década de 60. História essa que infelizmente não estudamos no Brasil

Apesar de enfrentarem oposição hostil – da policia e grupos terroristas como a Ku Klux Kan – o movimentos dos direitos civis foi majoritariamente pacifico e uniu os brancos e negros em uma mesma marcha, a da igualdade.

Há menos de 60 anos atrás negros que sentassem no ônibus no lado designado aos brancos no sul dos EUA eram violentamente presos. Hoje a principal liderança do país e consequentemente o homem mais poderoso do mundo é um negro, e isso demonstra o tamanho da transformação pela qual essa sociedade passou.

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O movimento pelos direitos dos homossexuais no Reino Unido também guarda lições preciosas. Há não muito tempo atrás, manter relações com pessoa do mesmo sexo era considerado crime e muitas pessoas foram presas. Inclusive de renome como o matemático Alan Turing (precursor da computação) e Oscar Wilde (um dois maiores escritores de língua inglesa de todos os tempos).

Em 1984 um grupo de ativistas dos direitos dos gays tomou a iniciativa de levantar fundos para ajudar as famílias dos mineradores que estavam em greve. A União Nacional dos Mineradores foi relutante em receber a doação, pois não queria ser associada com um grupo gay, ainda mais considerando o perfil conservador dos mineradores

Então eles decidiram ir pessoalmente a pequena vila de Onllwyn no País de Gales e entregar em mãos o que conseguiram juntar. E, apesar das diferenças dos grupos, as dificuldades que cada um enfrentava geraram identificação e apoio. Movimentos de trabalhadores mineiros começaram a dar suporte às campanhas de direitos iguais aos LGBT em todo Reino Unido. Essa linda história é contada no filme inglês de 2014 “Pride”.

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Embora o Brasil se orgulhe da sua diversidade cultural e étnica, infelizmente ainda não aprendemos a conviver e respeitar o diferente. A história de violência parece se repetir dia após dia, e ao invés de desenvolvermos o diálogo continuamos fortalecendo nossos pré-conceitos e alimentando o ódio. E me faço duas perguntas: Por quê? E até quando?

A cena de crucificação de um transexual na parada gay paulista é no mínimo polêmica. O argumento é que foi uma analogia com a paixão de Cristo e a violência sofrida pelos gays em uma sociedade homofóbica. De tão controverso, a cena gerou diferentes reações inclusive dentro do movimento LGBT, e, como era de se esperar, gerou protestos de diferentes grupos religiosos. A questão que fica é: até que ponto o esforço para chocar contribuirá para a redução da violência, ou se a ação foi mais um desserviço na luta da própria causa? Fico com a segunda.

Alguns dos precursores das marchas gay já não marcham, pois o movimento se desvirtuou, na visão deles. Não era pelo direito de andar nus e fazer sexo na rua um domingo por ano, custeados com dinheiro público, que eles marchavam. Era pelo seu lugar na sociedade, pelo respeito mútuo e direitos iguais. Acredito que o crescente movimento conservador no Brasil é justamente consequência dos atuais extremos.

Assim como muitos usam a religião como uma desculpa para seus preconceitos, outros usam a liberdade de expressão como pretexto para agredir e humilhar a Fé e as crenças de outro grupo Parece-me óbvio que essa mudança de comportamento só ocorrerá quando todas as partes se reconhecerem como semelhantes. Que sofrem os efeitos de diferentes discriminações e que muitas vezes somos também a causa de sofrimento do outro.